sábado, 26 de junho de 2010

Poço sem fundo?.. - Parte 2

Aqui vou eu nesta queda, de cabeça, com o mesmo sorriso nos lábios e a mesma confiança no olhar.
Gostava que tivesses a mesma confiança que eu, sempre.. e sei que a tentas ter.. sei que a queres ter. Já te vi com menos.. ontem vi-te com mais.. hoje vi-te ainda com mais.. e sei que amanhã vais ter mais ainda.

Vou nesta queda, acelerado, simplesmente a deixar-me cair. Parece fácil...

De repente, parece que o tempo pára na minha cabeça. Olho em volta. Tenho a sensação de algo está mal. E está. Esta minha queda tem de parar. E vai parar...

Olho para baixo, vejo-te a vir, a trepar com todas as tuas forças.. e então agarro-me com unhas e dentes às paredes deste poço para parar esta queda.

Vens nessa tua escalada. Paras ao meu lado e olhas-me. Dizes-me com o teu olhar que não é fácil. Não é nada fácil. É bem mais difícil que uma simples queda. É uma escalada meticulosa, que não pode ser feita à pressa. É preciso saber bem onde colocar e como colocar as mão e os pés, para não haver escorregadelas ou imprevistos. Pode demorar o seu tempo, mas esta escalada merece ser perfeita.

Não te estico a mão, pelo menos para já. Mas inverto o meu sentido. Vou subir a teu lado, sempre a partir de agora. É uma escalada tua, mas que é nossa ao mesmo tempo. Sei que és forte, muito forte, e sei que te vais aguentar.. mas quero subir a teu lado, sempre bem perto de ti, para te poder apoiar, para te poder ajudar caso escorregues.. para não te deixar cair.. sempre que precisares.

Algo me diz que este poço não tem fundo. E por isso temos de sair dele. Estou confiante e acredito que vamos chegar ao topo. E lá em cima, teremos um novo desafio à nossa espera. O maior e o mais saboroso de todos os desafios.

...

segunda-feira, 14 de junho de 2010

O Tempo que nos Resta

"De súbito sabemos que é já tarde.
Quando a luz se faz outra, quando os ramos da árvore que somos soltam folhas e o sangue que tínhamos não arde como ardia, sabemos que viemos e que vamos. Que não será aqui a nossa festa.

De súbito chegamos a saber  que andávamos sozinhos. De súbito vemos sem sombra alguma que não existe aquilo em que nos apoiávamos. A solidão deixou de ser um nome apenas. Tocamo-la, empurra-nos e agride-nos. Dói. Dói tanto! E parece-nos que há um mundo inteiro a gritar de dor, e que à nossa volta quase todos sofrem e são sós.

Temos de ter, necessariamente, uma alma. Se não, onde se alojaria este frio que não está no corpo?

Rimos e sabemos que não é verdade. Falamos e sabemos que não somos nós quem fala. Já não acreditamos naquilo que todos dizem. Os jornais caem-nos das mãos. Sabemos que aquilo que todos fazem conduz ao vazio que todos têm.

Poderíamos continuar adormecidos, distraídos, entretidos. Como os outros. Mas naquele momento vemos com clareza que tudo terá de ser diferente. Que teremos de fazer qualquer coisa semelhante a levantarmo-nos de um charco. Qualquer coisa como empreender uma viagem até ao castelo distante onde temos uma herança de nobreza a receber.

O tempo que nos resta é de aventura. E temos de andar depressa. Não sabemos se esse tempo que ainda temos é bastante.

E de súbito descobrimos que temos de escolher aquilo que antes havíamos desprezado. Há uma imensa fome de verdade a gritar sem ruído, uma vontade grande de não mais ter medo, o reconhecimento de que é preciso baixar a fronte e pedir ajuda. E perguntar o caminho.

Ficamos a saber que pouco se aproveita de tudo o que fizemos, de tudo o que nos deram, de tudo o que conseguimos. E há um poema, que devíamos ter dito e não dissemos, a morder a recordação dos nossos gestos. As mãos, vazias, tristemente caídas ao longo do corpo. Mãos talvez sujas. Sujas talvez de dores alheias.

E o fundo de nós vomita para diante do nosso olhar aquelas coisas que fizemos e tínhamos tentado esquecer. São, algumas delas, figuras monstruosas, muito negras, que se agitam numa dança animalesca. Não as queremos, mas estão cá dentro. São obra nossa.

Detestarmo-nos a nós mesmos é bastante mais fácil do que parece, mas sabemos que também isso é um ponto da viagem e que não nos podemos deter aí.

Agora o tempo que nos resta deve ser povoado de espingardas. Lutar contra nós mesmos era o que devíamos ter aprendido desde o início. Todo o tempo deve ser agora de coragem. De combate. Os nossos direitos, o conforto e a segurança? Deixem-nos rir... Já não caímos nisso! Doravante o tempo é de buscar deveres dos bons. De complicar a vida. De dar até que comece a doer-nos.

E, depois, continuar até que doa mais. Até que doa tudo. Não queremos perder nem mais uma gota de alegria, nem mais um fio de sol na alma, nem mais um instante do tempo que nos resta."


« by Paulo Geraldo »

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